Em 2023, celebramos os 75 anos da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. Esse data é um convite para refletirmos, sobretudo atualmente, sobre a importância da dignidade da vida de cada um, independentemente de qualquer circunstância.
A reflexão do Padre Marcos Sandrini, SDB, coordenador de Assuntos Comunitários da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS nos ajuda a entender sobre a relação dos Direitos Humanos e do Sistema Preventivo de Dom Bosco.
O sistema preventivo criado por Dom Bosco oferece uma antropologia que se inspira no Evangelho e vê como fundamento dos direitos humanos a dignidade de cada pessoa sem distinção de qualquer espécie.
Sistema preventivo e direitos humanos interagem enriquecendo-se mutuamente. O sistema preventivo oferece uma abordagem educativa única e inovadora em relação ao movimento de promoção e proteção dos direitos humanos caracterizados até agora mais pela perspectiva da denúncia “ex post”, isto é, da denúncia das violações já cometidas. O sistema preventivo oferece aos direitos humanos a educação preventiva, ou seja, a ação e a proposta “ex ante”.
O sistema preventivo oferece uma antropologia que se inspira no Evangelho e vê como fundamento dos direitos humanos a dignidade de cada pessoa sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, etnia, sexo, gênero, língua, religião, opinião política, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição.
Dom Bosco foi um grande defensor dos direitos humanos das crianças, dos adolescentes e dos jovens, tendo como referência fundamental o seguimento de Jesus. Quando Jesus se debruça sobre uma pessoa, não o faz porque ela merece, mas porque precisa, por misericórdia. Dom Bosco e a Família Salesiana acolhem a criança, o adolescente e o jovem não porque são merecedores deste acolhimento, mas porque necessitam de bondade, de afeto, de profissionalização, de projetos de vida, de salvaguarda de seus direitos, de evangelização.
Todos nascem iguais
Luc Férry, filósofo francês, escreveu o livro Aprender a Viver, em que perpassa a caminhada filosófica da humanidade. Embora sendo ateu, afirma que a Declaração dos Direitos Humanos só foi possível graças ao cristianismo. A cultura greco-romana dizia que as pessoas nasciam desiguais. Uns nasciam senhores e outros, escravos. Mas Jesus Cristo afirma que todos nascem iguais. Se há diferenças e discriminações, essas são por dominação econômica, política, cultural ou religiosa.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, vem afirmar isto. Em seu artigo primeiro está escrito: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
Muitos fatores contribuíram para a consciência de avançar na defesa dos direitos humanos. Muitos povos e pessoas sofreram e/ou fizeram sofrer ao longo da história. Dentre os fatos, queremos lembrar: o sofrimento causado pela Segunda Guerra Mundial; a perseguição nazista antes e depois da guerra; o repúdio ao passado ditatorial de diversos países, inclusive o Brasil. Conta, sobretudo, a indignação de pessoas, comunidades, países contra o desrespeito aos direitos fundamentais do ser humano em qualquer lugar que ele aconteça.
Prioridade absoluta
A Constituição Brasileira, no artigo 227, diz que “é dever da família, da sociedade e do estado, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
É a única vez que a Constituição fala de prioridade absoluta. Prioridade absoluta significa, efetivamente, primazia, precedência, preferência e privilégio. Dentro da ótica dos direitos humanos e com prioridade absoluta para os direitos da criança e do adolescente, ficam alguns desafios para a missão salesiana:
Abertura para novas configurações familiares
Quem frequenta uma casa de educação, sobretudo entre os mais pobres, vem de famílias das mais diversas configurações. O Censo do IBGE de 2010 apresenta 19 tipos de parentesco familiar. Padre Ronaldo Zacharias num de seus livros apresenta quatorze tipos de configurações familiares presentes na sociedade hoje. A realidade é o que é e não o que gostaríamos que fosse. Isto é fruto de nosso empenho e compromisso educativo-pastoral. A família é fundamental para o desenvolvimento das pessoas. Por isso, é compromisso de primeira linha da missão salesiana.
Abertura ao mundo do emprego e do trabalho
Emprego e desemprego são palavras fortes para a missão salesiana. Lutamos contra o trabalho infantil. Preparamos adolescentes e jovens para o mundo do trabalho em nossas escolas profissionais. Participamos da vida política da nação na perspectiva de criação de postos de trabalho. Lutamos contra a informalidade, não criminalizando quem a pratica, mas lutando por novas vagas de trabalho formais. Somos contra as reformas trabalhistas que só visam ver os trabalhadores como responsáveis pelos problemas da nação.
Abertura ao mundo da educação escolar
Escola para nós é sagrada. Como Dom Bosco, acreditamos que o futuro de uma nação se faz com pessoas com visão crítica do mundo e da história. Nossas obras para os mais pobres estão conectadas com as escolas do entorno. Nossa casa não é espaço para desocupados. Elas são espaço para o tempo livre. Para crianças e adolescentes, o tempo livre é o que não é ocupado pela escola. Lutamos também por escolas de tempo integral.
Abertura à luta pela igualdade e pela diversidade
Somos contra todas as discriminações de sexo, gênero, religião, ideologias, etnias, culturas, classes sociais. Confessamos que a aceitação de algumas formas de diversidade exige de nós uma verdadeira conversão de mentalidade e de postura à luz do Evangelho de Jesus Cristo.
Abertura ao ecumenismo e ao diálogo religioso
Somos uma instituição católica, mas nossas obras estão abertas a outras opções religiosas e eclesiais. Dentro da abertura ao direito à manifestação religiosa, defendemos o direito de apresentar nossa proposta religiosa católica e cultivar tanto educadores quanto educandos nesta perspectiva.
Abertura às crianças e adolescentes
Há crianças e adolescentes em grande vulnerabilidade social. É grande o número de adolescentes em conflito com a lei cumprindo medidas socioeducativas. Apoiamos os membros da Família Salesiana que se empenham nesta direção. É possível, sim, interferirmos nessa realidade sem apelar para a redução da maioridade penal. Os adolescentes e jovens são mais vítimas da violência do que seus promotores. Para nós é uma covardia colocar a culpa nas novas gerações que estão se desenvolvendo rumo à plena maturidade.
Fonte: Boletim Salesiano
Padre Marcos Sandrini, SDB, é coordenador de Assuntos Comunitários da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS.