A beleza do povo indígena do Rio Negro conquista os corações e faz com que o próprio coração mude, se dilate, se surpreenda e se identifique com essa terra, a ponto de ser impossível esquecer-se da “querida Amazônia”! Esta é a experiência de Leonardo, um jovem salesiano no coração da Amazônia.
Como surgiu no seu coração a ideia ser missionário?
Durante muitos anos este desejo amadureceu dentro de mim ao ouvir os relatos de missionários salesianos, seus testemunhos de portadores do amor de Deus ao mundo. Sempre admirei esses irmãos, que, experimentando o amor divino em suas vidas, não podiam ficar calados; antes, sentiam-se impelidos a anunciá-lo aos outros, a fim de que também eles provassem quanto são amados por Deus. Foi assim que pedi para fazer uma experiência nas missões salesianas da Amazônia entre os povos indígenas. Em 2021 passei, então, a viver e trabalhar como “tirocinante” na comunidade missionária de São Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas: foi uma verdadeira “escola missionária”, repleta de novas descobertas e experiências, de desafios nunca pensados, enfrentando realidades até então totalmente desconhecidas.
Quais foram suas primeiras impressões ao chegar a uma terra desconhecida?
Desde o primeiro momento em que olhei pela janelinha do avião e vi aquela imensidão de floresta e vários rios “caiu a ficha” em minha mente: realmente estou na Amazônia! Assim como sempre vi na TV, a região amazônica é de uma beleza exuberante, com paisagens naturais belíssimas, verdadeiras obras-primas de Deus Criador. Outra primeira impressão muito bonita é ver tantos irmãos e irmãs indígenas, com características físicas tão marcantes, como a cor da pele, os olhos brilhantes e os cabelos pretos. Ver a diversidade e riqueza cultural da Amazônia é fazer memória viva da nossa história, lembrar a nossa origem como Brasil e compreender melhor quem somos enquanto povo.
E por que a escolha da Amazônia? O que ela tem de particular para você?
A Igreja, incluindo nossa Congregação Salesiana, é essencialmente missionária. Porém, na região Norte isso ganha ainda mais intensidade, porque os territórios são imensos; os acessos, geralmente pelo rio, são difíceis e caros; a diversidade cultural e linguística é vasta e há uma enorme carência de padres, religiosos e religiosas e outras lideranças que possam levar adiante a evangelização e a presença da Igreja nessas terras. Por isso, existe muito trabalho e trabalho “pesado”, exigente… Não é apenas serviço de visitas, pregações, celebração dos Sacramentos, como pode se pensar da vida missionária, mas, é partilhar da vida e dos trabalhos do povo, carregar peso, sentir na própria pele a carência, a exclusão e o abandono do povo por parte dos políticos; ficar horas na estrada ou no rio; sentir as picadas dos insetos; comer a comida do povo simples, “temperada” com os temperos do amor, da partilha e da acolhida; escutar as histórias dos mais velhos, muitas vezes com palavras e expressões que não conhecemos bem; sujar os pés e as roupas de lama, desatolar carro; ficar sem internet e, às vezes, até sem energia elétrica… Tudo isso está envolvido com a vida salesiana missionária na Amazônia!
Conte algo mais da obra salesiana onde você morou… O que fazem os Salesianos em favor dos jovens da região?
Uma das finalidades de nossa comunidade salesiana em São Gabriel é o Oratório e a Obra social: é o pátio salesiano, nosso trabalho direto com a juventude “gabrielense” que, diariamente, frequenta nosso Oratório e encontra em nossa casa um espaço para brincar, se divertir e conviver de maneira saudável com seus amigos e colegas. Os jovens daqui amam o esporte, especialmente a paixão nacional que é o futebol. Como a cidade não oferece muitas opções de lazer e esporte, a garotada se faz presente em nossa obra durante todo o tempo que estamos em funcionamento e reclamam muito quando chega o horário de encerrar as atividades do dia. Uma média de 150 a 200 jovens passam por nossa obra diariamente. Além disso, o Centro Missionário Salesiano oferece cursos para os adolescentes e jovens, como informática e padaria.
E se algum jovem, conhecendo a vocês, e gostando do carisma expressa o desejo de ser salesiano, ele tem como se formar?
Sim, já a alguns anos funciona também em nossa comunidade o “Centro de Formação indígena” (CFI), que visa acompanhar e acolher os jovens indígenas de todas nossas comunidades missionárias, que desejam fazer um acompanhamento vocacional e serem ajudados na elaboração de um Projeto de Vida. Esse acompanhamento constitui o Aspirantado Indígena da Inspetoria Salesiana Missionária da Amazônia (ISMA). Além de oferecer esse itinerário formativo, o CFI oferece aulas de língua portuguesa, Salesianidade, cursos de informática e padaria, acompanhamento espiritual e psicológico e gradual inserção na vida salesiana. Realmente é uma experiência muito valorizada por eles, já que são os primeiros passos no caminho formativo e é feito no seu ambiente, com seu povo, com o carinho e proximidade dos salesianos e dos leigos animadores.
Você falou que existem outras comunidades missionárias além de São Gabriel? Como é isso? Como funciona o trabalho missionário no Rio Negro?
A nossa comunidade de São Gabriel, por ter mais conexões e serviços, é a base e aquela que cuida a vinculação e a logística com as nossas missões que ficam mais no interior, especialmente Maturacá (com o povo Yanomami) e Iauaretê (no “triângulo tukano”). Nessas realidades missionárias, não existe comércio formal e, quando há, os preços são extremamente elevados. Sendo assim, toda a compra de alimentos, produtos de higiene, materiais para reparos e combustível para as embarcações usadas nas “itinerâncias” (visitas pastorais às comunidades ribeirinhas) e para a produção de energia elétrica via gerador, são realizadas em São Gabriel e, depois, enviadas por nós, via transporte fluvial, até essas localidades. Trata-se de um trabalho braçal bastante intenso, porque temos que comprar e, depois, carregar muito peso até as embarcações que vão levar esses produtos para os nossos irmãos viverem e trabalharem nas outras missões. Carregamos sacos de alimento, caixas de isopor com carnes e vários “carotes” (vasilhames de plástico para transporte de líquidos) de 50L de combustível cada. Além disso, nossa casa tem vários quartos, sempre disponíveis e preparados para hospedar os irmãos missionários que estão de passagem por São Gabriel, seja indo ou voltando das demais missões. É um verdadeiro trabalho de assistência e em rede.
E dessas “itinerâncias” pelos rios, lembra de alguma experiência mais forte?
Sim, claro, em relação às “itinerâncias”, uma experiência que me marcou profundamente, foi a itinerância em Maturacá. Vivemos dias de profunda experiência do encontro com Deus mediante o encontro com o outro, com o diferente de nós, com o nosso próximo, porque fizemos a visita pastoral, conhecida como itinerância, às comunidades do povo Yanomami.
Visitamos, além da sede da Missão salesiana, em Maturacá, mais seis comunidades (Nazaré, Cachoeirinha, Aiari, Maiá, Marvim e Inambú). Foram dias intensos e bastante desafiadores. Primeiro porque cada comunidade está bem distante uma da outra e o acesso só é possível através dos rios da nossa querida Amazônia, percorridos num bote com motor (chamado de “voadeira”), debaixo de sol forte ou chuva intensa. Segundo, são comunidades Yanomami tradicionais, então, o choque cultura é inevitável, pois são hábitos, costumes e modos de vida completamente diferentes de nós, não-indígenas. Terceiro, tem os desafios práticos, como a falta de energia elétrica 24h, nenhum sinal telefônico, pouca oferta e variedade de comida, banhar-se e lavar roupas no rio, conviver com os insetos e outros animais da floresta… Um verdadeiro “mergulho” antropológico e espiritual. Celebramos a Eucaristia em todas as comunidades e vários batizados em algumas delas, fizemos visitas às famílias e oratório com as crianças. É uma experiência fantástica de encontro, dias especiais, dias de gratidão, dias de retorno ao mais essencial da nossa fé e da nossa Espiritualidade Juvenil Salesiana: o amor por Jesus, fruto do nosso encontro pessoal com Ele, e o amor pelo próximo, que se manifesta no desejo de estar com ele e se fazer amigo dele.
Essa “itinerância” marcante, sem dúvida deixou muita aprendizagem para sua vida, não é?
A itinerância é uma verdadeira “escola” e nos dá lições de vida: despojamento, porque quanto mais “coisas” vamos acumulando mais “pesada” se torna a caminhada; viver o presente, porque no meio da Amazônia, sem acesso a meios de informação, o único contato é com a realidade atual, aquela que está ao redor, a floresta, o rio, o céu, o bote; gratuidade, porque enfrentamos dificuldades e cansaços sem esperar gestos de gratidão humana. Enfim, a itinerância geográfica nos leva para uma “itinerância interior”, para uma conversão, um retorno ao essencial da vida e da fé. Navegar pelos rios da Amazônia é navegar para rios interiores. Estar nas missões é ser constantemente provocado a libertar-se de ideias pré-concebidas e rígidas para ser mais livre para amar e acolher o outro e lhe anunciar a alegria do Evangelho.
Uma lição muito especial que aprendo todos os dias nas missões é que, para ser um bom missionário devo ser alguém profundamente marcado e alcançado pelo amor misericordioso de Deus e, somente a partir dessa experiência, posso me dispor a “levar” e “mostrar”, em todas as partes, como Deus nos ama e pode transformar a nossa vida inteira. Aprendo também que, sendo missionário, levo e mostro esse amor, primeiro, com minha própria vida entregue à missão. Sem dizer palavra alguma, com o simples fato de deixar minhas origens e abraçar novas culturas, posso revelar que o amor de Deus vale muito mais do que tudo aquilo que consideramos valioso em nossa vida. Portanto, a vida do missionário é seu primeiro e maior testemunho e anúncio!
Você viveu esta experiência missionaria, mas pode-se dizer que também você foi evangelizado? O que gerou satisfação no seu coração?
Enfim, estando em São Gabriel, município mais indígena do Brasil, “lar” de 23 etnias, pluricultural e multilinguístico, percebo diariamente que, ao nos chamar para ser missionários e missionárias, Deus nos chama para sermos capazes de nos encantar diante da beleza e do mistério que é cada pessoa e cada cultura do nosso mundo. Por isso, seguindo o exemplo do Mestre Jesus, missionário do Pai, nós somos chamados a “esvaziar-nos” de tudo para “preenchermo-nos” das belezas e maravilhas presentes em todos os cantos da Terra e associar a elas a preciosidade do Evangelho. Esta foi das vivências mais profundas para mim.
No fim disso tudo, acredito que a satisfação vem do sorriso e dos gritos dos nossos meninos e meninas brincando, correndo, pulando, jogando bola, contando suas piadas; vem dos olhares curiosos e brilhantes dos homens e mulheres da floresta; a alegria vem do contemplar a beleza da natureza, a generosidade do povo e a perseverança dos cristãos e cristãs que ficam, às vezes, meses sem a presença de um sacerdote, mas, olham e tocam com amor e devoção os pezinhos da pequena imagem de Nossa Senhora ou a cruz lá do altar. Nas missões salesianas do Rio Negro se aprende a viver sem os excessos, a valorizar a simplicidade e se alegrar com as coisas pequenas da vida. Tudo aqui se torna festa, dança, música, celebração, fé… Aqui vive-se naquela mesma pobreza e simplicidade dos inícios de Valdocco, onde viveram e se santificaram Dom Bosco, Mamãe Margarida, o menino Sávio, P. Rua e tantos outros. Estar na Amazônia com certeza nos enriquece muito como gente, cristão e Salesianos de Dom Bosco!
Entrevista do P. Gabriel ROMERO, com o jovem salesiano Leonardo Tadeu DA SILVA OLIVEIRA, da Inspetoria São João Bosco com sede em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.