Casa Zatti, em Boretto (Reggio Emilia). A mãe foi para o trabalho no campo; o pequeno Artêmides é cuidado por uma irmãzinha atenciosa. Ele dorme. Mas depois desperta e começa a gritar. A mãe não chega. A irmãzinha canta para ele as cantigas de ninar que conhecia, mas Artêmides grita mais ainda. A irmãzinha intui: ele está com fome. E no curral está a vaca... A irmãzinha toma o irmãozinho, leva-o ao curral, aproxima-o da vaca. Sim, o pequeno Artêmides tinha mesmo fome, mama gulosamente e depois adormece tranquilo.

Família Zatti

 Nos seus sonhos inocentes há um futuro de emigrante na longínqua   América,   há   a doença que normalmente não perdoa e   que   para   ele   fará uma exceção,   há   um   hospital a   construir   e   levar    adiante sem   possuir   um   soldo,   há tanto   trabalho   e   umas    férias de cinco dias   na   prisão,   há uma   fila   longuíssima   de doentes   e    deserdados    aos quais     acudir. Porque são pobres, e cabe a ele socorrer, ele que se tornou “o parente de todos os pobres”. E há, no futuro, também um monumento com a sua estátua, uma rua e um hospital com o seu nome. Um processo ainda em andamento, querido pelos bispos argentinos: um processo de santidade. Mas no entanto... No entanto, aos quatro anos Artêmides vai para o campo: vai trabalhar, como sabe.      

Em        casa        as        bocas        são        tantas        e        as        entradas,        poucas. Estudou um pouco, e depois, aos nove anos, é colocado no trabalho. Estipêndio de 25 liras ao ano. Levanta-se às três, um pouco de polenta, e vai para o campo. Mas no fim de semana, quando volta para casa, Artêmides sempre tem um bom pacote de doces que a patroa preparou no forno para ele. E a sua alegria maior é ver os seus sete irmãos, os menores e os maiores, que devoram tudo alegremente. Assim, até aos 16 anos, quando o fascínio da América para a família Zatti se torna irresistível. Na Europa se morre de fome, lá far-se-á fortuna. Na Europa são os anos da grande depressão, as crises econômicas se chamam cíclicas porque uma sucede a outra como as ondas do mar. Na Itália é pior. A crise agrícola se tornou mais aguda por causa dos “juros sobre os produtos”, e lança os camponeses ao desespero. Os possuidores se desinteressam pelos mais pobres, faltam as máquinas agrícolas, os sistemas de cultivo são retraídos. Os trabalhadores braçais estão desnutridos, presa fácil da enfermidade, da pelagra, da cólera. E tão frequentemente sem trabalho. Mas os Zatti têm um tio na Argentina que mora numa cidade ainda em começo chamada Bahia Blanca: tornou-se chefe dos operários municipais. E os imigrantes são como as cerejeiras, um arrasta o outro. Em 1897 a família Zatti faz as malas e parte. Artêmides é um rapaz alto e magro, alegre e pensativo. Ninguém supõe que aquele pequeno pássaro magro, impelido ao exílio pela fome, um dia fará falar de si.

Pense bem antes!

Em Bahia Blanca, às portas da ainda fabulosa Patagônia, está o tio esperando-os, e há trabalho. O pai vai em frente com um pequeno mercado. Artêmides trabalha por alguns dias numa hospedaria; mas o ar que respira ali não lhe agrada, e vai fabricar tijolos e azulejos: aí se ajeita, para os imigrantes apenas chegados já é alguma coisa. A Argentina está cheia de italianos chegados com rosto estrangeiro e com bagagem magra, mas se tornam logo cidadãos trabalhadores, positivos, realizadores. Acontecerá assim também para os Zatti. Aos domingos, estão todos na igreja. O ar que se respira na Bahia Blanca é fortemente anticlerical, os imigrantes normalmente abandonam a prática religiosa. Mas os Zatti não.

Há uma igreja ali perto, mantida pelos salesianos de dom Bosco. Chegaram à Argentina em 1875; desde 1890 trabalham na Bahia Blanca. São quase todos italianos de origem. Artêmides tem a impressão de ter voltado a Boretto. Toda hora livre da fábrica ele passa em companhia do pároco, padre Carlos Cavalli, homem simples e conversador. Ajuda-o a colocar em ordem a igreja, acompanha-o ao visitar os doentes. Lê na sua biblioteca a vida de dom Bosco e fica conquistado. Assim lhe passa pela cabeça uma ideia: “E se eu também me tornasse sacerdote, para dedicar toda a vida para o bem do próximo?” Não será, mas padre Carlos diz que seria possível, e vai conversar com os pais. Recebe uma resposta de fé:

 

“Se for vontade de Deus, siga o chamado divino. Mas pense bem antes de dar o passo, porque não nos agradaria um dia vê-lo voltar atrás”.

No ano de 1900 os salesianos da Argentina reuniram todos os seus jovens aspirantes ao sacerdócio numa única casa, em Bernal, próximo de Buenos Aires. Artêmides – 19 anos, alto e esbelto, com pés grandes (número 45) como que preparado para caminhar muito pelo mundo, e com coisas boas para distribuir a todos em abundância irá para Bernal. A mãe o acompanha, apresenta-o ao diretor: “Padre, eis o meu filho. É bastante bom, e creio que será obediente. Mas se não se comportar bem, peço-lhe que tome uma vara.

Sem ter conseguido nada.

Artêmides se dá bem em Bernal: uma vida disciplinada e austera, com ritmos regulares que o ajudam a amadurecer. Escreve para casa: “Estou contente de estar aqui. Os superiores são boníssimos, e os companheiros muito alegres. São quase todos italianos. Diga à mamãe que não se preocupe comigo”. Mas as provas o esperam.

Tem apenas a quarta elementar frequentada dez anos antes, e deve se arriscar com o latim. Grande no meio dos outros, está à disposição de tantos pequenos serviços. Torna-se logo um factótum. Na escola se aplica com empenho máximo, mas o caminho dos estudos para ele se torna muito longo e acidentado.

Seus familiares esperam cartas longas, e ele lhes escreve como poliglota em espanhol, em italiano, em dialeto, e com algumas palavras em latim; mas é um cemitério de erros. E em toda carta, sempre havia um bom pensamento espiritual. “Aquilo que não serve para a eternidade, não serve para nada”.

Passa um ano, Artêmide está mais pálido, filiforme. Não sabe dizer não à fadiga. Então chega a Bernal um jovem sacerdote extenuado pelo trabalho e atacado de tuberculose. A umidade da região com certeza não o ajudará a curar-se. Artêmides é encarregado de assisti-lo.

Nos primeiros dias de janeiro de 1902 os acontecimentos precipitaram: o sacerdote doente morre, os companheiros de Artêmides vão receber o hábito clerical e naquela manhã ele está de cama. Tem uma tosse insistente, e uma febre que o devora. “Precisa trocar de ar”, decreta o médico, e decide por uma localidade perdida sobre os Andes.

Com o dinheiro para a viagem o enviam à estação. Primeiro passará em Bahia Blanca, para saudar os seus. O que lhes dirá? Enquanto espera o trem na estação ferroviária de Buenos Aires, sofre um ataque violento. Uma dor interna irresistível, e quando reabre os olhos vê nos seus pés uma enorme mancha vermelha. Logo um varredor de rua se apressa em cobri-la com um corte. Sangue. Em toda a viagem de 700 quilômetros, encravado no duro assento da segunda classe, Artêmides pensa nos seus sonhos quebrados. As esperanças dos seus queridos desfeitas. Uma falência da qual envergonha-se diante de todos. Não estava conseguindo nada. E – naquela época a tuberculose não perdoava – o pesadelo de uma morte inexorável dentro de pouco tempo...

A mãe ao vê-lo cai num pranto doloroso. Coloca-o logo num leito, e corre até o padre Carlos: “Não irás lá em cima nos Andes – consola-o o valoroso sacerdote. Vais para Viedma onde o ar é bom, e sararás”. E tira o dinheiro para pagar a viagem (outros 300 quilômetros) em diligência. Ou não seria melhor, para este pobre rapaz desfalecido e destruído, morrer lá em casa, confortado pela sua mãe? Artêmide inclina a cabeça. Já aprendera o valor supremo da obediência em nome de Deus. Vai para Viedma, se Deus quiser, para morrer. Mas os projetos de Deus eram bem outros.

Conheça o “Hino a Artêmides Zatti, Santo” 

Essa composição foi gravada pelo salesiano, Vinícius Martins, e Heloísa Ferreira, com a participação do Coral do Centro Social Dom Bosco de Primavera do Leste, MT. A música está disponível no canal da Missão Salesiana de Mato Grosso no Youtube.

A música traz um pouco da história do salesiano irmão, com elementos registrados na sua biografia oficial, tais como a bicicleta, sua condição de migrante, o local onde viveu, na Patagônia Argentina, sua consagração a Deus, além de seu principal ofício, de ser enfermeiro.

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