Consagrados em Cristo Jesus

A essência da vida religiosa não está no fazer, nem nos trabalhos realizados. Caso se encontrasse aí sua natureza, não haveria como separar vida secular de vida religiosa específica. Sabemos que há pessoas seculares, ateias ou gnósticas que fazem grandes trabalhos, maravilhosas ações sociais e filantrópicas e, às vezes, podem ser até mais eficientes do que nós nos seus trabalhos realizados. O que distingue o religioso é algo que está no seu ser, nos fundamentos que orientam aquilo que ele faz. Desse modo, o que define o irmão salesiano e sua identidade específica e original é sua opção fundamental, opção essa que alinha sua vida com o projeto de Jesus Cristo. A vocação religiosa salesiana coloca-nos nas pegadas de Dom Bosco à serviço do Reino. Não seguimos Dom Bosco, seguimos com Dom Bosco a Cristo Jesus. Com Dom Bosco, pois ele, inspirado pelo Espírito recebeu o carisma de ajudar na construção do Reino pela via da formação dos jovens. O salesiano irmão, tem como primeira missão, o seguimento de Cristo no serviço aos jovens. Ao compreender desse modo nossa vocação, certamente muda profundamente o seu quadro interpretativo: na sua especificidade, ela não será vista como algo inferior à vida presbiteral, mas algo diferente, de natureza própria. Ambas dimensões não têm autonomia própria, pois estão vinculadas a alguém que dá sentido para elas: Jesus Cristo.

O irmão salesiano ao responder a Jesus na sua forma específica, testemunha o amor de Deus aos jovens e realiza a sua vocação cristã de forma mais radical.  É na esteira cristológica que podemos compreender quando a Christifideles laici 55, afirma que cada um, segundo sua vocação, carisma e ministério torna-se um sinal para todos os demais. Inserida na dignidade dos batizados e imersa no povo de Deus nasce a vida consagrada e, dentro dela, a vida religiosa laica com uma nova e especial consagração que desenvolve e aprofunda a consagração batismal; participa de uma forma especial no profetismo de Cristo; vive o seu carisma específico em relação e junto com os outros carismas eclesiais, integra-se na missão da Igreja e a compartilha com os demais cristãos (Identidade e Missão, 6). Na comunidade, os religiosos irmãos encontram seu habitat natural, manifestam a essência da Igreja como mistério de comunhão. Na comunidade confessam a perfeição do amor fraterno revelada no Deus de Jesus Cristo.

O fundamento da vocação do Irmão salesiano é o amor de Deus revelado em Jesus Cristo. Como modelo e fonte (C11), Jesus interpela o salesiano irmão a anuncia-lo profeticamente junto dos jovens e na comunidade fraterna. A essência do salesiano irmão é a mística do amor, mística fundamental à própria vida cristã. Se alguém nos perguntasse em que consiste ser irmão salesiano? Não deviríamos ter dúvida ou titubearmos na resposta, fundamentalmente a resposta deveria ser somente uma: seguir Jesus Cristo na pratica do amor aos jovens. O resto é resto. Tudo mais é complemento para a realização desse fim que é primordial. Aulas, trabalhos, vida comunitária, votos, etc. São meios para que nossa opção fundamental aconteça. Certamente temos dificuldades de responder sobre a vocação do religioso irmão, por vivermos em uma época de opções periféricas, de forte valorização dos fenômenos, somente daquilo que aparece. Nas muitas das vezes, as pessoas não perguntam o que SOMOS, mas o que fazemos. São perguntas que desviam a luz da verdadeira natureza do ser das realidades.

Como vocação (de leigo) consagrado, buscamos naquilo que fazemos a construção de algo que ainda não vemos em plenitude: o Reino de Deus. Vale a frase sobre Dom Bosco: “vivia como se visse o invisível”, tal deve ser também o nosso princípio norteador. O salesiano irmão, como resposta radical diante da consagração, procura realizar o pleno sentido do batismo no cotidiano de sua vida; isso não o faz melhor, tampouco privilegiado diante de Deus, como foi pensado em certas épocas passadas sobre grupos específicos da Igreja. A consagração o faz mais responsável diante do testemunho evangélico e do anúncio do Reino. Podemos repetir com as palavras do  evangelista: “Ao que muito foi dado, muito será cobrado” (Lc 12,48). Isso não deve nos fazer preocupados, pois a vocação específica na Igreja é dom do Espírito, certamente é Ele quem nos capacita para exercê-la dignamente, contando, claro com nossa livre decisão diante do convite.

O salesiano irmão, não apenas é destinatário do amor de Deus, mas ainda,  testemunha e mediação desse amor para as pessoas, de modo especial para os jovens. Se em Jesus somos filhos no Filho, somos também irmãos com o Irmão, participamos desse mistério e o anunciamos a todos. A moção do Espírito, ungindo o religioso irmão, numa resposta radical à consagração batismal, é sinal visível de que o Mistério de Cristo se realiza, hoje, no agora da história. O irmão, ao ordenar a sua vida na conformidade com o Cristo, diz sim ao amor de Deus, respondendo com o otimismo salesiano aos desafios do mundo e da Igreja nos tempos atuais. Ele não somente testemunha o modo que Jesus viveu, mas se torna presença concreta de Jesus no meio do povo, continuando assim, o anúncio do Reino.

Tendo a Exortação Apostólica Vita Consecrata como referência, podemos afirmar que o fundamento evangélico da vocação do irmão salesiano,  deve ser entendido a partir da relação que Jesus teve com seus discípulos, convidando-os não só a acolherem o Reino de Deus em suas vidas, mas também a coloca-las a serviço desta causa, deixando tudo e o seguindo (VC 14). O que fundamenta uma radical adesão ao Reino é a ação do Espírito, como vemos na abordagem da identidade vocacional do salesiano irmão pelo Dicastério para a formação . O Espírito locupleta em nós o que nossa resposta por si mesma seria incapaz de realizar. A vocação é dom do Espírito dada a nós para a Igreja, servindo-a nos jovens.

Mesmo que a identidade vocacional do salesiano irmão foi progressivamente repensada no decorrer dos Capítulos Gerais, a sua essência continua a mesma. O Salesiano irmão é inserido na Igreja para servir a Jesus Cristo nos jovens. Suas habilidades, dons e carismas estão a serviço da missão. A natureza especifica do ser salesiano irmão o coloca em unidade com todos os leigos batizados, abrindo um diálogo de serviço à evangelização, ressignificando as práticas seculares no horizonte da fé cristã. Sua missão junto dos jovens e da Igreja atua em complementariedade com a dimensão clerical da congregação. No que lhe é específico, abre um diálogo profícuo com o mundo secularizado e com os desafios que se apresentam nos tempos atuais.  Sua identidade transcende ao status pessoal, à quantidade de irmãos e aos desafios vividos na instituição ou fora dela. Devemos falar de uma identidade ideal, pautada no Evangelho que é concretiza no serviço aos jovens.

Ao fazer um percurso pelo passado da congregação, vemos que a identidade do salesiano irmão está vinculada à história, não podemos fixa-la num lugar determinado, ela se faz dinâmica no acontecer do tempo. “Com Dom Bosco e com os tempos”, define bem uma fidelidade dinâmica que caracteriza a natureza da vocação do salesiano irmão . Devemos valorizar os dados culturais, os valores conservados na base carismática dessa vocação, conforme foi idealizada por Dom Bosco. Buscar os meios de realiza-la nas atividades práticas, nos trabalhos e na convivência fraterna de nossas comunidades. O salesiano irmão tem um papel específico e único para que a congregação não perca a sua originalidade fundacional. O espírito de cooperação entre presbíteros e salesianos irmãos na missão juvenil sintetiza o ideal de congregação fundada por Dom Bosco. O salesiano irmão, vive a laicidade consagrada e, é deste modo, que ele serve à Igreja de Cristo. Seu apostolado o coloca em diálogo com o mundo secular de forma mais próxima, não perdendo, no entanto, sua característica de homem que olha para o céu. O testemunho pastoral junto dos jovens contribui para sua formação e santidade, abrindo perspectiva para novos seguidores de Dom Bosco nessa mesma modalidade vocacional. Pe. Vecchi trata do seguinte modo da vocação salesiana: “A vocação salesiana, desde o início, ofereceu múltiplas possibilidades de realização, determinadas mais pelo impulso da caridade e do apelo da missão, do que pela importância do serviço ou papel realizado na comunidade. Pela identidade e colocação do irmão salesiano, não havia normas rígidas, mas um discernimento que avaliava a generosidade, disponibilidade, espírito comunitário, alegria vocacional” . O Próprio Artemides Zatti numa determinada situação vai dizer para um irmão: “Sacerdote?   Salesiano irmão? Pode-se servir a Deus tanto como sacerdote quanto como salesiano irmão: diante de Deus uma coisa vale quanto a outra, desde que seja vivida como uma vocação e com amor” .

Os salesianos, como participantes da vida da Igreja, possuem uma identidade particular de educadores e evangelizadores dos jovens, especialmente dos mais abandonados. O “Da mihi animas” é o coração da missão educativo- evangelizadora salesiana. O “Cetera tolle” é a meta, isto é, o trabalhar para que o jovem se eduque para ser, plenamente, cidadão e construtor do Reino no mundo . O ponto de atração ou vértice da nossa ação, contudo, é claro: colocar os jovens em relação sacramental com Deus, revelar e fazê-los viver a condição de filhos de Deus. A dimensão laical em nossas comunidades funde-se de forma original com a dimensão pastoral e com o ministério sacerdotal, ao qual se reconhece a tarefa singular de representar e reavivar o fundamento da comunidade, que é Jesus Cristo .

Ao falar da profissão religiosa, nossa Constituição explicita sem nenhuma dúvida o sentido fundamental de nossa vocação: “ Seguimos Jesus Cristo, que casto e pobre, remiu e santificou os homens com sua obediência, e participamos mais estreitamente do mistério da sua Páscoa, do seu aniquilamento e da sua vida no Espírito. Aderimos totalmente a Deus, amado sobre todas as coisas, empenhamo-nos numa forma de vida que se funda inteiramente no Evangelho” (C 60).

Podemos concluir esta primeira parte lembrando uma passagem da Sagrada Escritura: Jesus na casa de Marta e Maria (Lc 10,38-42). Inspirando-se nesse texto podemos dizer que o carisma salesiano não proporciona divisão entre ouvir a Palavra ou praticá-la, somos contemplativos na ação. No que se refere ao Irmão salesiano teve uma inclinação de instalá-lo no lugar de Marta, como homo faber, buscando sua identidade pelo que ele fazia. Dom Bosco tinha muita clareza: mais do que homens de ação ele precisava de homens de Deus, homens espirituais. Pessoas que fossem testemunhas da radicalidade cristã. Não somente Marta, não somente Maria, mas as duas, integrando o que caracteriza nosso ser salesiano irmão.

Irmão Romildo Henriques Pinas, SDB

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