1. A IDENTIDADE DO RELIGIOSO IRMÃO: MISTÉRIO DE COMUNHÃO E MISSÃO.
“E todos vocês são irmãos” (Mt 23,8)
1.1 Introdução
A cena do lava-pés é a que melhor caracterizaria o dom especial do religioso (irmão) na Igreja: humildade e serviço. “E ele, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). No exemplo de Jesus, a Igreja deve continuar a obra de salvação. Os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos voltam a ouvir, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a mensagem de salvação (Lc 7,22).
A vida consagrada, desde os primeiros séculos do cristianismo, teve uma natureza laica, fazendo sintonia com todos os seguidores de Jesus. Até hoje esses são a grande maioria no seio da Igreja, mais do que isso, representam um testemunho fiel e significativo na vida eclesial, revelando a memória profética do Jesus-Irmão. O Decreto Perfectae Caritatis ao falar da vida religiosa é enfático: “O seguimento de Cristo proposto no Evangelho, norma última da vida religiosa, seja para todos os institutos a regra suprema” .
Quando Jesus afirma: “E todos vocês são irmãos” (Mt 23,8) é um contraponto no contexto de hipocrisia religiosa, onde o status, nas muitas vezes, era usado para dominar, oprimir e se distanciar dos preferidos de Javé. A posição de Jesus sempre se mostrou à margem de uma religião que negasse o serviço, a fraternidade e a doação generosa ao pobre, ressaltando na fraternidade, a igualdade fundamental entre todos os que creem, filhos do mesmo Pai celestial (Mt 5,45).
O documento pontifício: Identidade e Missão do Religioso Irmão na Igreja, certamente reacende o sentido profético dessa vocação na Igreja, e a instala na participação especifica que lhe cabe, no contexto eclesial do Vaticano II da Igreja como Povo de Deus: irmãos entre irmãos, cada um tendo um papel fundamental para a construção Reino de Deus.
Ao revisitarmos a história da Sociedade de São Francisco de Sales vemos na sua natureza um dom do Espírito Santo para a Igreja. Esse dom se duplica na sua condição mista: Irmãos salesianos e presbíteros. Ao tratarmos hoje de forma específica da dimensão vocacional do Irmão salesiano, não devemos ter medo de afirmar que essa vocação ajuda, na sua forma de ser, a revelar a identidade salesiana, conforme inspirada pelo Espirito Santo ao nosso pai e fundador Dom Bosco. No momento em que a congregação não possuir mais a presença de irmãos salesianos, poderemos afirmar, sem nenhuma dúvida, nossa sociedade tornar-si-á outra e não mais aquela querida por Dom Bosco. A congregação salesiana, assumiria assim uma nova natureza, um novo status institucional e carismático.
Esta dimensão específica dentro da sociedade salesiana é uma graça de Deus para a Igreja e para o mundo. Como consagrado e enviado, o irmão é movido pelo amor trinitário de Deus que atua pelo carisma salesiano em favor da Juventude. Na resposta coerente, radical e completa, dando a própria vida, entrega-se à salvação da juventude segundo o estilo evangélico, em complementariedade com a dimensão clerical, duas dimensões da única vocação salesiana (C 45). Conforme o artigo 45 de nossas constituições, o salesiano irmão testemunha o Reino de Deus no mundo. A mesma ideia já se fazia presente no 3º e 4º Capítulos Gerais de Valsálice (1883-1886). No inciso IV que trata da deliberação para os Oratórios Festivos vemos afirmado: “Todos os sócios salesianos, tanto eclesiásticos como leigos, sintam-se afortunados por contribuir com seu trabalho, persuadindo-se de que isto é um apostolado importante .
Mesmo que o histórico vocacional do irmão salesiano apresente um acento inclinado aos serviços práticos, não preterindo isso, Dom Bosco tinha muita clareza do papel apostólico da vocação do Irmão salesiano. Sua fala aos noviços (irmãos) no outono de 1883 em São Benigno, caracteriza, de algum modo, a sua ideia sobre a identidade do Salesiano irmão. A especificidade dessa vocação e a valorização que ele demonstrava para com ela. Essa fala foi um marco histórico na trajetória da vocação do salesiano irmão. Tudo que o salesiano irmão deve fazer é para sua própria santificação e para a santificação dos jovens, em vista do Reino. Isso ficou muito mais claro no envio missionário para outros países, inclusive para as Américas. Na conclusão de sua fala em S. Benigno Dom Bosco diz: “Não temais; que o número crescerá, mas especialmente é preciso que se cresça em bondade e energia. Sereis então como leões invencíveis e podereis fazer muito bem. E depois, “complacuit vobis dare regnum”, mas especialmente tereis o reino eterno”. Os Salesianos irmãos cresciam ao redor de Dom Bosco, em nível humano, profissional e religioso, e eram verdadeiros tesouros, não tanto pelo papel que assumiam, quanto pela qualidade educativa que exprimiam .
No decorrer da história, mesmo que não caiba nesse momento entrarmos em detalhes, se houve conflitos ou não entre as duas dimensões presentes na natureza da congregação salesiana, isso providencialmente; como a atuação do Espírito foi sendo resolvido. Os Capítulos Gerais, as cartas dos superiores e o espírito de Dom Bosco como pai e fundador, norteavam o caminho de unidade e de preservação do estatuto original da congregação. Pe. Ricceri ao abrir os trabalhos do congresso mundial de salesianos irmãos dizia: “ O salesiano irmão, o que é e o que deve ser? Como vive e sente, à luz da realidade de hoje, o ideal de sua vocação religiosa-laical a serviço da missão salesiana? Quais os obstáculos que se impõem à sua realização e ao pleno e fecundo desenvolvimento da vocação do apóstolo novo para o mundo novo?” Tais perguntas, de algum modo, sempre vão persistir, instiguando-nos a novas respostas, uma vez que os desafios são também não menos nos tempos atuais.
Ao nos deparamos com a vocação do salesiano irmão podemos nos perguntar: onde e como identifica-la? qual a maneira correta de defini-la: certamente o mundo atual exige uma nova releitura da identidade do irmão salesiano. Para nossa reflexão nessa manhã desejamo-nos ater a três elementos que podem ajudar na reflexão sobre a vocação do irmão salesiano; tais elementos, irão de algum modo, ao encontro do documento sobre a Identidade e Missão do religioso irmão na Igreja, apresentado pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica de 2015, bem como o que já se havia dito a exortação apostólica pós-sinodal Vita Consecrata. Os três elementos são: consagrados em Cristo Jesus; na fraternidade, testemunhas do Reino de Deus na dinâmica do Espírito.
Irmão Romildo Henrique Pinas, SDB
Salesiano Irmão Doutor em Teologia pela PUC-Rio