Trabalhe enquanto eles dormem

A máxima "trabalhe enquanto eles dormem" indicava um modo de pensar sobre o trabalho e a maneira de encarar a laboriosidade incansável. No entanto, a pandemia do novo Coronavírus tem acelerado uma mudança no modo de se compreender o trabalho e de se enxergar a vida profissional.

Cada vez mais, não menos incentivado pela modalidade de teletrabalho acentuada pela pandemia, a vida profissional tem se misturado com a vida pessoal. Na verdade, há uma linha tão tênue entre elas que separá-las está cada vez mais difícil. Neste caso, cabe uma pergunta: será que é mesmo necessário separar a vida pessoal da profissional? Essa pergunta tem sido refletida por vários especialistas.

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A maior parte do nosso tempo passamos no trabalho. Seja no modelo presencial, no teletrabalho ou no modelo híbrido, nossa vida profissional é bastante intensa e ocupa boas horas do nosso precioso dia. Então, se existir uma maneira de fazer nosso trabalho tornar-se mais leve e prazeroso, devemos correr atrás dessa possibilidade, pois, ela nos garantirá a saúde mental necessária para ter uma vida equilibrada e feliz.

Em tempos passados - num passado não muito distante - as horas extras e a dedicação quase que exclusiva a determinadas empresas, revelava o perfil ideal de colaborador. Horas e mais horas extras trabalhadas eram motivo de orgulho e garantia até de alguns prêmios e homenagens durante a carreira ou no final dela.

A dedicação e o comprometimento continuam importantes e não deixaram de ser valores essenciais. Porém, o modo de se dedicar e de se comprometer está mudando cada vez mais rapidamente.

Dedicados, comprometidos e saudáveis

No livro "O Jogo Infinito" (2020), Simon Sinek, trabalha o conceito de jogo infinito, procurando adaptá-lo à criação de hábitos que vão fazendo parte da nossa jornada como num aprendizado constante e permanente, retroalimentando nosso desejo de continuar crescendo, não só por nós mesmos, mas, por tudo o que é impactado pelo nosso trabalho.

Quando encaramos nossa jornada como uma experiência nova a cada dia, como um desafio a ser superado cotidianamente e como um novo aprendizado capturado, vivemos nossos dias com mais leveza e fazemos da nossa existência profissional uma verdadeira escola para a vida.

Somos dedicados quando percebemos que o que construímos transforma a vida numa realidade de crescimento e de desenvolvimento para nós e para os outros. O serviço ou produto que entregamos dá sentido à nossa vida na medida em que dá sentido à vida de quem recebe ou de quem constrói conosco.

Somos comprometidos quando a realidade que nos circunda e, às vezes, até a realidade mais distante, é tocada pela ação do nosso trabalho, mesmo que indiretamente.

Essa dedicação e esse comprometimento, por sua vez, precisam ser vivenciados de maneira saudável, sem comprometer nossa saúde, a saúde dos outros e a saúde do meio ambiente.

É preciso construir uma geração cuidante

Não é preciso dizer quanto a famosa Síndrome de Burnout tem atingido cada vez mais líderes e liderados de todos os setores da sociedade. Cotidianamente, pessoas estão adoecendo e desistindo dos seus sonhos de crescimento e de desenvolvimento pessoal e profissional.

Tudo isso acontece porque estamos gastando muita energia para continuar vivendo sob pressão. Os líderes gastam energia para pressionar e os liderados gastam energia para aguentar a pressão por resultados a qualquer custo. No entanto, chega um momento em que nossa cota de resiliência acaba e extravasa tudo o que está se acumulando dentro de nós.

Muitas vezes, desistimos de sonhos plenamente realizáveis porque não fomos cuidados ou não nos deixamos cuidar.

Neste tempo de pós-pandemia, se assim já podemos chamar o que ainda não acabou, é fundamental construir uma geração cuidante.

Construir uma geração cuidante significa preparar as pessoas para que sejam, em todos os setores da sociedade e das organizações, promotoras da cultura do cuidado.

Cuidado e empatia não são incompatíveis com comprometimento, com dedicação e muito menos com produtividade. Ao contrário, possibilitam uma abertura maior para a criatividade, a autogestão e a inovação.

Tudo começa pela educação

Paulo Freire afirmava que "a educação transforma pessoas e as pessoas transformam o mundo". Esse pensamento ilustra bem o que precisamos fazer para construir uma geração cuidante. É pela educação que transformaremos as mentalidades fordistas em mentalidades cuidantes.

Do empreendedorismo sustententável às competências socioemocionais, precisamos educar nossas crianças, adolescentes e jovens para serem homens e mulheres que cuidam de si mesmos, dos outros e da natureza.

Só através da educação formaremos os líderes cuidantes de amanhã. Educar para a empatia, para a compaixão e para a comunicação não-violenta fará toda a diferença nas organizações sustentáveis do futuro.

As organizações de hoje devem criar alternativas para formar seus líderes e seus times para que possam também ser pessoas cuidantes, que contribuam para transformar o ambiente de trabalho num ambiente de vida saudável, de modo que a colaboração possa fazer com que todos durmam na hora de dormir e trabalhem da hora de trabalhar, sem precisarem "trabalhar enquanto eles dormem".

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