Viedma, quase na desembocadura do rio Negro no oceano Atlântico, tem em favor de Artêmides, além do ar bom e a casa salesiana, também uma farmácia e um hospital instalado no mesmo colégio. É o quanto se requer para um doente.

Aqueles estranhos apêndices na atividade escolar, surgiram de forma feliz em 1889 quando Viedma era um posto avançado missionário. Operários abandonados a si mesmos, soldados, aventureiros, como também os indígenas dos arredores, morriam por causa da falta dos medicamentos mais comuns. Dom Cagliero, chefe dos missionários salesianos na América, tinha decidido: é preciso colocar em pé uma farmácia. Um seu jovem sacerdote, padre Evasio Garrone, por um tempo tinha sido enfermeiro no exército italiano: confiou-lhe o cargo. Não deu errado um estranho negócio, onde os ricos pagavam, e os pobres só se pudessem e até onde pudessem (para cobrir o déficit teriam providenciado os cooperadores salesianos).

Padre Garrone no exército teve uma prática de medicina e enfermagem, e além do mais tinha um formidável olho clínico. Na falta de outro médico na região, todos corriam até ele, e o chamavam respeitosamente de “doutor”.

Um dia ele pegou o diretor do colégio e o levou para visitar um doente. Estava numa casa pobre, jazia em condições piedosas, não havia ninguém que cuidasse dele. Esperava a morte. “Podemos deixá-lo aqui? ”, e os dois sacerdotes se olharam. Disseram-lhe: “Voltaremos”, e foram depressa a dom Cagliero. “Sr. Bispo, aqui é necessário um hospital”. O bispo tinha guardado na mente aquela “lembrança” que dom Bosco lhe tinha deixado e aos seus companheiros no momento em que zarparam de Gênova: “Tende especial cuidado dos enfermos, das crianças, dos anciãos e dos pobres, e ganharás a bênção de Deus e a benevolência dos homens”.Respondeu que sim, precisava de fato fazer o hospital. Havia um curral: foi limpo e desinfetado. As irmãs jogaram perfume para afastar o cheiro de antes. Um leito, um colchão, uma cadeira... e o hospital estava pronto. Logo levaram o doente e o entronizaram. Um mês depois ele saía curado, e depois outros doentes estiveram no hospital que tinha sido curral.

O erro do padre Garrone.

Em março de 1902, quando Artêmides chegou a Viedma, o hospital tinha crescido sob a direção do “doutor”. “Com minha grande alegria – escreve logo Artêmides à mãe – encontrei os meus caros irmãos salesianos. Quanto à saúde, me visitou o médico, padre Garrone, e me garantiu que dentro de um mês estarei curado”. Os dois tinham-se ajoelhado no altar da Auxiliadora, e Artêmides lhe tinha prometido formalmente que se fosse curado dedicaria sua vida inteira a cuidar dos pobres. A promessa foi aceita, mas a cura foi um tanto lenta...

A “tosse” (como a chama quando escreve para casa, mesmo sabendo que era uma “tuberculose em toda a sua beleza”) continua a abalar aquele débil junco; porém o repouso, uma comunidade acolhedora e compreensiva uma vida tranquila, e uma enorme confiança no Senhor, o ajudam a superar lentamente a crise.

 

Dois anos depois consegue já se tornar útil na farmácia. Em 1908   faz   a   profissão   religiosa,   é   salesiano. Tornar-se-á sacerdote? Já se tornou indispensável na farmácia, é um enfermeiro tão experimentado que o hospital não pode fazer pouco caso dele. Em 1911 padre Garrone comete o imperdoável erro de morrer, e Artêmides logo se encontra sozinho na direção da “Farmácia de São Francisco de     Sales”     e      do      “Hospital      de      São      José”. O peso é esmagador. E depois tem que prestar contas à lei, que mesmo se não está em grau de providenciar as necessidades dos doentes de Viedma, chega a complicar quem     tenta     fazer      alguma      coisa      por      eles. O superior salesiano para assegurar o futuro do hospital admite um médico verdadeiro, que se torna responsável legal diante das autoridades. Mas de fato o chefe será ele, Artêmides Zatti, e de chefe terá todas as preocupações.

A bicicleta.

Em 1903 foi decidido: põe-se a primeira pedra para a construção de um novo, verdadeiro hospital. Não há dinheiro para a construção, mas chegará. Formam-se comissões, organizam-se loterias e leilões.

Em poucos meses o hospital já está pronto, não grande, mas sólido e seguro. As paredes, em seguida, sustentarão um primeiro andar, e depois um segundo. A sala de operação é melhor do que se pode esperar para aqueles tempos. Artêmides aprendeu fazer de tudo: dirige, paga o pessoal, estipula os contratos, compra leite e verdura para os doentes, zela pela cozinha e pela limpeza, e se ninguém se oferece para fazer a limpeza, ele toma a vassoura e a faz. Sua fadiga maior – que o angustiará até à morte - é ajuntar o dinheiro para enfrentar as despesas sempre crescentes. Porque os critérios administrativos do hospital são os mesmos que funcionam na farmácia: quem tem pouco paga pouco, e quem não tem nada não paga nada. E estes últimos são os clientes mais numerosos.

Segundo seus registros, em 1915 são hospitalizados 189 doentes. Até das prisões lhe mandam doentes, porque também nos cárceres se adoece e a enfermaria é insuficiente. Ele de bicicleta gira por toda parte a fim de conseguir dinheiro. O povo aprendeu a distinguir; se o virem pedalar com uniforme branco, é porque vai cuidar de enfermos; mas se o virem de chapéu na cabeça, é porque faz visita ao banco ou a pessoas endinheiradas.

Em 1914 obteve a cidadania argentina. Ele a obteve, e por isto é feliz, porque ama a sua segunda pátria não menos que a primeira. Mas em agosto de 1915 tem o que fazer com a justiça...

Um pouco de férias.

Foi confiado ao seu hospital um prisioneiro para que se curasse, e ele fugiu de noite. Para quem em Viedma odeia os religiosos foi motivo para aproveitar da ocasião: Zatti foi acusado de “infidelidade na guarda do prisioneiro”. Como se aquela obrigação coubesse aos enfermeiros e não aos carcereiros. O povo olhava incrédulo o espetáculo de Zatti no meio dos policiais, conduzido à prisão. E começa a peregrinação para a sua cela: vão os seus irmãos, os enfermeiros com os convalescentes, os seus amigos da cidade, os meninos do colégio. Estes últimos vão com a banda em festa e sopram mais forte os instrumentos para que sejam ouvidos por todos.

Três dias depois Zatti comparece no tribunal. A cena ao longo da estrada, enquanto vai ao sagrado templo da justiça, é sugestiva: todos correm para ver aquele delinquente escoltado por homens com pistolas mauser e uma arma ( o famoso espadão difuso ainda hoje na América Latina). Ele ao invés tem nas mãos o rosário: reza e sorri. E a cena cômica se repete na volta, com mais expectadores. Depois de cinco dia de cárcere (“Justamente eu precisava de um pouco de descanso”), o libertam, e a sua volta é triunfante.

 

Diante do hospital havia algum tempo tinha sido aberta uma farmácia verdadeira, com um farmacêutico patenteado. Ele quer que a farmácia do hospital se feche. Precisava de fato fechar, porque sua gestão não tinha títulos legais. Mas agora os pobres onde encontrariam os medicamentos a um preço especial para eles? Zatti enfrenta a luta: sofre ameaças, paga multas, é constrangido a fechar por um tempo, mas em 1907 pôde resolver: foi a La Plata, fez os exames necessários, e retornou com um irrepreensível diploma de “idôneo em farmácia”.

Todos respiram?

Toda manhã se levanta às cinco, se não às quatro e meia. Acende o fogo e vai para a igreja. Se ainda não houver alguém, se prostra no chão com a cabeça sobre o pavimento, somente diante de Deus. Depois faz a meditação com a comunidade, participa da missa, abre a alma a Cristo que vem na eucaristia (todos os dias até o fim, exceto os últimos 41 dias passados preso ao leito de morte). Depois vai aos seus doentes: uma bela saudação cristã, e:” todos respiram?”. “Todos, dom Zatti”. “Deo gratias”; e passa de um doente a outro para ver de que eles precisam. Depois de ir ao refeitório para tomar uma xícara de café com leite: procura uma boa colherada, para fazer mais depressa. E corre para satisfazer as chamadas dos seus pacientes.

Depois saía de bicicleta para cuidar dos doentes pobres espalhados pela cidade (a penicilina, quando for inventada, lhe dobrará o trabalho: algum doente quererá uma injeção de duas em duas horas).

Ao meio dia está pronto, não se sabe como, para tocar o sino da sua comunidade (toca com devoção, é a voz de Deus). Juntos rezam o Angelus, ele com os olhos fechados fortemente, contraindo os lábios e as mãos para se concentrar. Depois do almoço brinca com os convalescentes. Joga com entusiasmo, com a alma, faz isto para o Senhor, e quer fazê-lo bem.

A merenda para se manter de pé.

Às duas está de novo na bicicleta, e retoma as visitas. Volta para a merenda, que não precisa descuidar: serve para se manter de pé, para trabalhar melhor pelos outros. E depois às vezes retoma a bicicleta para terminar as visitas. Ou então se entretém com os seus doentes, controla a contabilidade, paga algum pequeno gasto. Enquanto os enfermos jantam, está na enfermaria preparando remédio em pó e pomada. Mas logo depois ei-lo de volta ao hospital para as orações da noite e para um pensamento de boa noite. Conta mil anedotas sobre Dom Bosco, comenta sobre os santos do dia (depois de alguns   anos   sabe   de    memória    das    suas    vidas). Antes do jantar despacha a correspondência. Ou se entretém com o pessoal do hospital, que de ano em ano cresce em número. Dá decisões, avisos, conselhos. E sempre com o costumado coração com a mais plena participação. Estes encontros se tornam escola na qual os seus colaboradores amadurecem na caridade.

Janta com a sua comunidade. Depois uma última olhada nos doentes hospitalizados, e se não tem mais de sair ou outros compromissos para satisfazer, estuda medicina (não é um que tem prática superficial, Zatti: das doenças e das curas quer entender o como e o porquê). Ou então lé. Para a sua alma. Lê a vida dos santos e as obras ascéticas, que lhe sugerem os exemplos e as normas para a sua vida. Até às dez, às onze de noite. Às vezes vêm acordá-lo no meio da noite porque há algum doente grave na cidade para cuidar; se escusam do distúrbio, mas ele replica: “Meu dever é vir e o vosso dever é chamar-me”.

 

Dois bigodes abundantes.

Todos já o conhecem, no Vicariato apostólico de Viedma. Mesmo se o seu nome e sobrenome permanecem um rebu para tantos. São difíceis de pronunciar em espanhol, e mais ainda para escrever.

Em vez de Artêmide há quem diz Artemiro, Artensio, Artemisco; alguns também Arquimede. Para o sobrenome é pior. Escrevem Sati, Sapti, Sacti. Os mais instruídos até Zatting. Mas também Zatez ou Sates. E os mais obsequiosos, Donzati... Com ele usam o “dom”. Há quem o troque por sacerdote italiano, porque querem honrá-lo; há quem o honra equiparando-o segundo o costume espanhol a descendentes de famílias nobres.

Mas este “dom” o aborrece. Diz: “Chamai-me Zatti, e basta”. E explica aquela sua rejeição com uma pequena estrofe rimada por ele mesmo: “Para ostentar o “dom”, tem que ter algo de algodão”. (nota da tradução: “Para ostentare il “don” hay che tener algo de algodón” ; isto é “Para ostentar o “dom”, é preciso estar um pouco no algodão.

Mas o povo decidiu que ele merece o “dom”, aos seus olhos ele se tornou um personagem importante.

Tornou-se também sólido e robusto. Dois bigodes, duas moitas lhe conferem um ar carrancudo, mas não conseguem esconder o seu sorriso perene. Da tosse ameaçadora que durante anos tinha abalado o peito, mais nenhum sinal. Antes, o doente incurável se tornou o médico dos outros.

Fonte: Era o parente de todos os Pobres. Santo Artêmide Zatti, Salesiano Coadjuntor. Autor: Enzo Bianco.

Tradução e revisão ortográfica: Pe. Geraldo Martins Lisboa, SDB. Diagramação: Cristóvão Novais Guingo.

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