A Mãe de Deus e as mães e mulheres no social
Abrimos um novo ano que, mais do que em outros anteriores, vem para nós marcado pelo desejo e pela esperança de dias melhores, principalmente para os que mais sofrem na sociedade e continuam carregando o peso da pandemia da Covid-19.
Como no início de todos os anos, em 1° de janeiro, Dia Mundial da Paz, a Igreja nos convida a voltar os olhares para a pessoa de Maria, a Mãe que gerou o Salvador da humanidade, nascido na pobreza da gruta fria de Belém. Ali, nada para envolver melhor o Filho de Deus do que o amor da mãe que o acolheu em nossa condição humana, como a expressão maior do Amor Misericordioso de Deus por nós. Nos acostumamos a chamar a Deus de Pai, mas podemos ousar chamá-lo também de Mãe.
Pensando na mãe Maria, imaginei que seria esta uma ocasião muito especial para chamar a atenção para a figura feminina e forte no contexto do trabalho social, desenvolvido em favor das crianças, dos adolescentes e dos jovens que vêm ao mundo no berço da pobreza. Se a mãe é essencial para toda criança que nasce e cresce, quando as condições humanas e sociais são adversas, ela parece ganhar uma importância ainda maior.
Segundo filho de cinco irmãos, perdi minha mãe – que uma doença levou em poucos dias, quando eu ainda tinha oito anos. Minha irmã, a filha mais velha, tinha quase dez, os três menores: cinco, três e um ano e sete meses. Para meu pai, taxista, foi impossível cuidar sozinho dos cinco filhos e fomos, por um tempo, acolhidos pelas avós e duas tias e tios. Mesmo muito pequeno, me recordo de ouvir os familiares dizendo que: “Se fosse o Juvenil (meu pai) que tivesse morrido, a Luzia daria conta de cuidar e sustentar essa criançada, mantendo-as todas unidas”. Sem desmerecer meu pai, entendo o que se queria dizer na época. As mulheres, mulheres mães, têm um que de sobrenatural no seio da família e no cuidado dos filhos, uma coragem envolvente, que é só delas.
Ao inserir sempre mais mulheres nas estruturas de gestão da Igreja, o Papa Francisco ressalta como elas estão trazendo um pensamento inovador para a economia.
Mulheres na Bíblia
Não é incomum, nos meios sociais mais populares, encontrarmos famílias nas quais a figura paterna, por diferentes razões, está ausente. Na grande maioria desses lares, o que vemos são mães com garra e determinação, o que as torna verdadeiras heroínas no cuidado dos filhos. Não por acaso, os Programas Sociais instituídos pelo poder público vinculam as mais diferentes formas de repasses de recursos e destinação de imóveis à figura feminina materna.
Ninguém mais presente e fiel à vida e aos filhos do que elas. A Bíblia, de fato, reconhece esse princípio quando quer falar do Amor de Deus por nós, e assim se expressa: “Pode uma mulher esquecer-se daquele que amamenta? Não ter ternura pelo fruto de suas entranhas? E mesmo que ela o esquecesse, eu não te esqueceria nunca” (Is. 49,15). No trabalho realizado tantas vezes junto a adolescentes e jovens que infracionaram, que perderam sua liberdade, é comum ver ao lado desses filhos a presença materna, que se torna sempre um estímulo para reconduzi-los ao caminho do bem.
Nesse olhar, que quer chamar a atenção para a relevância das mães e das mulheres nos contextos sociais de maior vulnerabilidade, não podem faltar a atenção e a sensibilidade do Papa Francisco, que alarga esse horizonte. No convite que nos faz no livro Vamos sonhar juntos: o caminho para um futuro melhor (Ed. Intrínseca, 2020), ele enfatiza o protagonismo das mulheres na crise, como sinal de esperança; recorda como – no Evangelho – não se deixam intimidar pela tragédia acontecida com Cristo, mas demonstram fortaleza. Identifica o fato de terem sido as primeiras a receberem o anúncio da Ressurreição, por estarem presentes, atentas e abertas às possibilidades.
Olhar feminino no social
Ao inserir sempre mais mulheres nas estruturas de gestão da Igreja, o Papa Francisco ressalta como elas estão trazendo um pensamento inovador para a economia. Elas possuem a capacidade de unir sua vida prática, o envolvimento no serviço informal e não remunerado, a maternidade e as tarefas domésticas com o trabalho acadêmico de alto nível e, desta forma, percebem as falhas do modelo econômico nos últimos 70 anos. Impossível, nesse ponto, não pensar na Doutora Zilda Arns, que salvou a vida de milhões de crianças, no Brasil e no mundo, com um tratamento simples: visitas domiciliares, encontros entre os voluntários e as famílias para celebrar a vida, conversar sobre as dificuldades e pesar as crianças, reuniões de reflexão e avaliação e, em especial, uma receita de soro caseiro.
Pensando em Maria, mãe de Deus e mãe da Igreja, mãe dos pobres e mãe das mães, e olhando para os graves problemas sociais que nos afligem, vale destacar o que o Papa chama de uma “economia mais maternal, não focada apenas no crescimento e no lucro, mas que questione como os modelos econômicos podem ser pensados para ajudar as pessoas a participarem da sociedade e a prosperarem”. Tudo isso como contribuição das economistas influentes, com foco no cuidado com a Criação e com os pobres.
Que a Mãe Auxiliadora, invocada sempre com confiança por Dom Bosco e Madre Mazzarello, interceda com especial bondade por todas as mulheres envolvidas nos projetos sociais salesianos: as mães e as suas filhas, as educadoras, as voluntárias, as gestoras, as benfeitoras e suas famílias, as religiosas consagradas.
Padre Agnaldo Soares Lima, SDB, é assessor da Rede Salesiana Brasil de Ação Social (RSB-Social).