Assim como viver no chamado “Mundo VUCA” (sigla em inglês que representa as características do mundo contemporâneo e que, traduzida, significa volátil, incerto, complexo e ambíguo) é desafiador, educar no século XXI traz grandes desafios, seja por não se ter clareza sobre para qual mundo e profissões estamos formando, dada a velocidade com que se transforma, seja pelas formas de perceber e atuar no mundo globalizado, que traz novas formas para as relações humanas, ao que Baumman define como “a modernidade líquida”.
Diante disso, a UNESCO há anos tem sinalizado os Pilares da Educação do Século XXI: “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a ser”, “aprender a conviver”, para que as novas gerações possam “aprender a transformar o mundo”. Esses pilares nos dão uma perspectiva de formação integral, pautada em desenvolvimento de competências não só cognitivas, mas também socioemocionais.
Se não sabemos para que mundo estamos formando, faz-se, portanto, indispensável desenvolver cidadãos plenos, potencializados em suas múltiplas habilidades, a fim de que reúnam as competências necessárias para se viver no século XXI.
Desde os idos dos anos 1990, os estudos do CASEL (The Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning, USA) têm comprovado a relevância e os ganhos da inserção da educação socioemocional nos currículos escolares, no sentido de preparar para a vida. Além disso, já há validação científico-acadêmica sobre a melhoria da aprendizagem e do desempenho cognitivo acadêmico quando se atua também com as habilidades socioemocionais.
Diante disso, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) define as 10 Competências Gerais que os currículos devem assegurar e as traz nessa dimensão de formação integral, de desenvolvimento de múltiplas habilidades, que transitem entre as esferas cognitivas, socioemocionais e comunicativas.
Uma vez compreendido o modo como devemos formar (currículo por competências), resta refletir sobre o “para que queremos formar”. Em outros termos, precisamos ter clareza sobre a intencionalidade pedagógica da práxis educativa. A intencionalidade pedagógica bem definida permite traçar currículos escolares, estratégias metodológicas, design de espaços, cenários e trilhas de aprendizagem que favoreçam o perfil de aluno que se pretende formar.
Países como Finlândia, Canadá, Japão, Dinamarca, Cingapura, entre outros, ressignificaram suas histórias, traçando projetos de nação a partir de seus projetos de educação pautados em Intencionalidade Pedagógica clara. A título de exemplo, a Finlândia, país territorialmente pequeno, de economia basicamente agrária e sem relevância no cenário econômico mundial, passa a ganhar destaque econômico e crescimento/relevância industrial, a partir do momento em que traça a intencionalidade pedagógica clara de formar cidadãos competentes para o mercado de trabalho mundial.
Como estratégia para garantir tal intencionalidade, elaboraram currículos escolares pautados em competências, desenharam a escola como comunidade de aprendizagem (envolvendo pais, alunos, professores e outros colaboradores no projeto pedagógico e ressignificando as salas de aula como espaços de aprendizagem colaborativa, através de metodologias ativas) e apostaram fortemente na valorização do professor. Japão, por sua vez, pós-segunda guerra, traz como intencionalidade pedagógica de seu projeto educacional e de nação desenvolver uma cultura da paz, percebida hoje inclusive na forma como o policiamento e o sistema prisional japonês funcionam.
Dessa forma, dizemos que a intencionalidade pedagógica traduz o perfil de aluno que se pretende formar. Ante aos desafios postos para a educação no século XXI e ao cenário/contexto contemporâneo do mundo VUCA, em contrapartida à crise do ecossistema humano, das relações socioeconômicas, das questões socioambientais, faz-se relevante considerar a formação do cidadão global, que tem consciência planetária, que reconhece e atua num viés favorável aos 17 ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) constantes da Agenda 2030 da ONU, trazendo sua contribuição para um mundo melhor.
Para tanto, uma vez que se tenha clareza sobre a intencionalidade pedagógica em relação ao aluno que se quer formar e assumindo a necessidade de desenvolver múltiplas habilidades e competências para o dinamismo do mundo VUCA (alinhando-se aos Pilares da UNESCO e à própria BNCC), é importante revisar as estratégias metodológicas, trazendo novos espaços, trilhas e dinâmicas de aprendizagem, por meio das quais o aluno assuma o papel de protagonista do próprio processo de aprendizagem. Isso é proporcionado de forma evidente através das metodologias ativas em suas inúmeras possibilidades (STEM/STEAM, Cultura Maker, PBL, Adaptive Learning, Gamification, Design Thinking, Storytelling, entre outros).
Nesse sentindo, escolas tidas como tradicionais, mas extremamente antenadas aos novos cenários educacionais contemporâneos, têm se ressignificado, renovado seus Projetos Político-Pedagógicos e currículos aos desafios atuais e alinhando-os à BNCC, trazendo novos designs de sala de aula e de espaços de aprendizagem e ganhando um novo status de escolas inovadoras. Algumas transformam-se radicalmente, outras de forma gradativa, mas certamente proporcionando cenários, currículos e metodologias ativas mais adequadas à formação das novas gerações.
Os Colégios Salesianos têm figurado entre as escolas inovadoras buscam se ressignificar para o cenário educacional contemporâneo. Um bom exemplo são os que fazem parte da Inspetoria São João Bosco, que preservam a missão, a identidade e a tradição salesiana, em especial na sua expertise em acolhimento, em competências socioemocionais e projeto de vida, porém ressignificando seu currículo e seu projeto político pedagógico à luz da BNCC e desafios educacionais contemporâneos, através de metodologias ativas, bilinguismo, cultura digital, aprendizagem criativa (STEAM, Maker), cultura de alto desempenho acadêmico, num viés de metacognição/autoconhecimento e melhoramento contínuo, além de múltiplas habilidades (cognitivas, comunicativas e socioemocionais). Tais colégios têm deixado clara a intencionalidade pedagógica de formar o aluno salesiano como o cidadão global, dotado de consciência planetária, em uma perspectiva de aprendizagem criativa, a fim de que pensem e proponham soluções para o mundo e construam seus projetos de vida, tornando-se empreendedores de si.
Muitas são as possibilidades de inovar na educação, mas é preciso que se tenha intencionalidade pedagógica e propósitos claros, estruturando-se estrategicamente os currículos, cenários e trilhas de aprendizagem, desenvolvendo-se as equipes pedagógicas, para efetivamente alcançar com sucesso a formação integral do cidadão global do século XXI, qual seja: um sujeito múltiplo, criativo, socioemocionalmente desenvolvido e capaz de tomar decisões responsáveis para si e para o mundo!
Referências
BACICH, Lílian; MORAN, José (orgs). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.
DEFILIPPI, Carolina; EL BADOUY, Eliane; RASQUILHA, Luís; VERAS, Marcelo (orgs). Inovação em sala de aula. 1ª ed. São Paulo: Unitá, 2018.
FRANCO, Max. A jornada do aprendiz: storytelling e metodologias ativas na educação. 1ª ed. São Paulo: Unitá, 2018.
MAGALDI, Sandro. Gestão do amanhã: tudo o que você precisa saber sobre gestão, inovação e liderança para vencer na 4ª revolução industrial. São Paulo: Editora Gente, 2018.
PLATAFORMA AGENDA 2030. Disponível em: <www.agenda2030.com.br>. Acesso em: 01/09/2019.